Não é novidade para ninguém que conforme as eleições se aproximam, tensões antes adormecidas – ou nem tanto assim – começam a irromper. Se conversas no intervalo no escritório, dentro de transportes públicos e principalmente na internet são dominadas pela temática política, no cinema, a coisa não poderia ser diferente, pois como diz o ditado: a vida imita a arte – ou vice-versa.
Desta forma, com votação marcada para novembro de 2024, os Estados Unidos veem chegar às suas salas escuras, Guerra Civil. Nele, temos um longa-metragem distópico que mergulha a terra do Tio Sam em um caos político não tão distante da realidade, comandado pela batuta de Alex Garland e protagonismos de Kirsten Dunst e do nosso querido Wagner Moura – cada vez mais internacional.
Guerra Civil apresenta um cenário político onde motivos são secundários
Na trama, o espectador é jogado no meio de uma guerra civil norte-americana capitaneada por diversas facções, com direito a cidades destruídas, ruas vazias e aparatos do que sobrou de um Governo em estado de alerta. Na garupa da conceituada fotojornalista Lee Smith (Dunst) e do redator Joel (Moura), um cenário caótico se desenvolve em tela, onde os profissionais precisam fazer de tudo para cobrir os mínimos detalhes existentes – ao mesmo tempo em que tentam sobreviver.
Ao contrário do que o nome sugere, Civil War (no original) não é exatamente um filme de guerra. Aqui, talvez o departamento de marketing tenha falhado, mas quem procura por uma obra que converse explicitamente com espectros políticos, grandes explicações e motivações, encontrará decepção. O trabalho de Garland encaixa-se perfeitamente em um cinema antiguerra de primeira categoria, esvaziando seu enredo de “porquês” e entregando uma narrativa que tem como foco principal os horrores dos conflitos armados.
Com personagens propositalmente desumanizados, a produção tem êxito em normalizar situações moralmente questionáveis para dialogar, apostando em Wagner Moura e Kirsten Dunst para tal. Se o brasileiro vive Joel, um homem relaxado que conquista o público através do carisma, Dunst entrega Lee, um contraponto sisudo e entorpecido que forma o contraste perfeito com o companheiro – em uma das melhores atuações da carreira da atriz. No meio de toda a tensão, a jovem Jessie (Cailee Spaeny), aspirante a fotojornalista, ainda cai de paraquedas para compor a equipe, que cruza os Estados Unidos em busca de chegar à Casa Branca para entrevistar o presidente.
Longa-metragem conta a história através dos detalhes
Não é exagero algum afirmar que Guerra Civil é uma aula de mixagem de som. Com a qualidade técnica já conhecida dos filmes da A24, a produção mescla a todo o momento sons de tiro ensurdecedores a um silêncio que fala de maneira ainda mais alta. A trilha sonora também é extremamente competente ao servir como alívio de momentos mais tensos, funcionando como um meio de quebrar a aflição para trazer de volta a respiração que você provavelmente não percebeu que estava presa. Se em março de 2024 vimos Zona de Interesse levar o Oscar de Melhor Som, é possível que vejamos nascer, agora, um forte candidato à estatueta do ano que vem.
Da mesma forma, o longa aposta na fotografia para contar sua história, dando a Lee uma epopeia própria sob as lentes das câmeras. Se em alguns takes é possível presenciar a personagem regida por uma estética visual diferente, lotada de luzes que visam conversar com o espectador pelos detalhes, no trecho final do longa, essa estética é transferida para Jessie – ponto em que não vou me prolongar muito para evitar spoilers.
Em resumo, Garland consegue juntar imagem e som para continuar a desenvolver a narrativa proposta. Com grandes produções no currículo, como Ex_Machina e Aniquilação, em Guerra Civil, o cineasta encontra o seu melhor trabalho; mais maduro, mais preparado e definitivamente mais decidido.
Guerra Civil é um excelente filme, mas pode não ser o que você procura
Com uma premissa de não entregar tantos detalhes sobre o conflito existente, Guerra Civil pode desapontar quem procura um filme em moldes mais tradicionais. A trama não concede tantas informações sobre quem são as facções digladiantes e seus motivos, focando em outros pontos para continuar a se desenvolver.
Não que a obra seja de cunho apolítico – e eu sinceramente não acredito na existência desse termo – mas é possível dizer que quanto menos você deseja saber sobre o cenário político de Guerra Civil, mais o longa faz sentido – e essa talvez seja a grande sacada do diretor.
O conceito principal é mostrar como a indiferença se tornou nossa realidade, normalizada através da repetição cotidiana. Guerra Civil faz o espectador questionar como chegamos ao ponto de nossa humanidade não ser mais prioridade, onde no lugar de sentirmos, acabamos entorpecidos pelo que se tornou comum.
Com performances marcantes do elenco, fotografia e trilha sonora sólidas e direção impecável, Guerra Civil seguramente se candidata a um dos filmes do ano. Após o lançamento, nos Estados Unidos, a produção foi definida por uma parte da audiência como um “filme chapa-branca” – ou isentão, como chamamos no bom português. Particularmente, discordo da alcunha. Apesar do que dizem, não enxergo o longa dessa forma, mas sim como um banquete cheio de personalidade para quem está disposto a uma experiência diferente.